Ele era um revolucionário.
Sua cor preferida? Vermelho sangue. Fã do Che Guevara. Aprendeu ser assim na faculdade,
mas na verdade dizia a todos que sempre fora assim, desde bebezinho. Envolvia-se
em todas as manifestações possíveis, se era pra fechar a rua, era com ele
mesmo, adorava ver o transito parado, enquanto em meios aos buzinaços,
reivindicava qualquer direito.
Outra virtude
de nosso herói era que ele adorava sua mãe, extremamente devotado. Fazia de
tudo por ela, se preocupava com cada detalhe, se ela comia, ou dormia bem, até
parecia que os papéis, filho e mãe, eram invertidos. Um dia a mãe se adoentou. Ele
moveu o mundo por sua recuperação, que não foi completa. Seu coração não era
mais de uma menina. E isso lhe tirava o sono. O cardiologista avisou que, no
caso de uma nova crise, ele deveria socorrer com urgência, pois poderia
ser fatal.
Mas voltando
ao ambiente da universidade, certa vez aconteceu um debate muito acalorado,
onde eram questionados os direitos: de ir e vir; meu direito acaba quando começa
o seu. O professor abordava essas questões, colocando na mesa: se alguém tem o
direito de tirar o direito de ir e vir de alguém, a fim de exigir seu próprio direito;
como alguém pode fechar uma avenida e impedir que milhares transitem, sendo que
essas pessoas cerceadas muitas vezes nem saibam o que está acontecendo, tendo
pouco haver com o problema de quem protesta. Então o debate pegou fogo, nosso herói
já exaltado gritou:
- Temos que
parar tudo mesmo, eu fecho mesmo, é a única forma de chamar atenção.
Um dos colegas
que discordava, retrucou:
- Mas as
pessoas que são prejudicadas, não têm culpa, manifestações devem ocorrer enfrente
aos paços públicos, ou em frete da casa do chefe do poder executivo, o responsável
direto é que tem que ver o protesto. Não é por eu estar prejudicado é que devo
prejudicar o outro, isso é egoísmo.
Enfim o debate
rendeu. Numa coisa todos concordavam que os protestos são justos e necessários,
apenas as metodologias são divergentes.
Certa feita
nosso revolucionário andava pelas ruas, próximo ao centro de sua cidade, local
onde se concentra o principal hospital do município. Logo viu uma manifestação,
gente com faixas tentando invadir a via pública. Como de costume, nem quis
saber do que se tratava, logo se envolveu. Percebeu que os lideres de tal
manifestação eram inexperientes, foi dizendo:
- Aqui não,
vamos recuar e fazer a barricada em cima do viaduto, lá é mais fácil, quando o
choque chegar, iremos nos preocupar apenas com a frente, e, a retaguarda, não
com as laterais. Irá parar até a via sob o viaduto, sabe como é? Né? Os
motoristas são muito curiosos, quando veem esse vermelho – apontou para a
bandeira comunista – logo param...
Foi
imediatamente ouvido. Conforme suas orientações, todo o transito parou. Entre
as buzinadas ao longe se ouvia uma sirene, não se sabia se era a policia, que
já tentava acabar com a manifestação ou uma ambulância querendo chegar ao hospital
que ficava no final do viaduto.
Depois de poucas
horas de interdição e do enfrentamento com a polícia de choque e o desespero da
sirene que ainda lamentava incansavelmente pedindo passagem - era
definitivamente uma ambulância de resgate - a qual só foi possível passar por
um corredor feito pela força violenta das autoridades, foi então, saber,
exatamente, o que os motoqueiros reivindicavam. Que eram uma manifestação de
motociclista era fácil de perceber, mas os motivos não, pelo menos para ele, afinal,
de tão embebido que estava pelo protesto, ele nem se deu o trabalho de ler as
faixas. Neste final de barricada após perguntar, o líder lhe disse que era para
mudar a legislação de transito e liberar o corredor para os motoqueiros, ou seja,
aquele espaço que fica entre os carros, ser passagem de direito dos condutores
de moto.
Foi nesse
momento que nosso herói lembrou-se de outro debate promovido pelo mesmo professor, onde era discutido, essa
questão dos motoboys, e, nosso protagonista, ficou com os que achavam, que as
motos deveriam trafegar na mesma faixa de rolamento dos carros, pois no
corredor entre os veículos é muito perigo. Prova disto são os inúmeros acidentes
fatais que ele mesmo já havia presenciado.
Teve então um
sentimento de profunda vergonha, lutou por algo que era contra. Lamentou, por
não ter se informado e refletido melhor do que se tratara tal manifestação. Consolava-se
dizendo para si mesmo, que era seu espírito justo e destemido de lutar pela causa
alheia que fizera cair nessa, no fundo sua intenção era boa e correta.
Saiu calado do
meio da balburdia, pensava só chegar em casa e relaxar um pouco nos braços de
sua progenitora, para assim, quem sabe, esquecer o ocorrido. Enquanto descia o
viaduto e a multidão também se dispersava, o ruído da sirene cessava, indicando
que havia chegado ao hospital.
Entrou em casa,
ansioso, louco para desabar seu corpo cansado no colo da velha. Achou estranho por
que não sentiu o gostoso cheiro da janta, nem o apitar da panela de pressão em cima
do fogão, mais estranho ainda, era a movimentação que se fazia na sala,
parentes próximos e seu irmão estavam desesperados, e este logo informou:
- A mãe passou
mal, chamamos o resgate e o pai foi direto do trabalho para o hospital, ainda
não chegou com notícias...
Como bom filho
dedicado que era, correu para o hospital, aquele que ficava após o viaduto. Onde
foi informado pelo seu pai, que ainda se encontrava lá por motivos burocráticos:
-O doutor
falou que não deu tempo...
Lágrimas banharam
mutuamente os ombros, durante um longo abraço dolorido.
-Havia uma
manifestação... Não deu tempo!
Nosso herói recuou
delicadamente de seu pai, as lágrimas estancaram. No consciente falou:
-Tenho que
protestar!
Ora, protesto
era seu esporte, sua fuga, sua expressão. Em momento, como esse, fazemos aquilo
que é mais autentico, aquilo que é mais forte dentro de nós.
Minutos depois
estava novamente em cima do viaduto, mesmo lugar onde horas antes havia parado
o transito, e, o transito novamente parou. Não na via que passa em cima do
viaduto, mas na via de baixo deste viaduto. Nosso revolucionário, o herói protagonista,
fazia sua ultima manifestação. A cor em volta dele? Era vermelho. Oriundo de um
líquido que fluía de dentro de si. A cor viva chamava atenção e fazia todos os
motoristas parar, os que viam, ficavam com seus semblantes estarrecidos. Foi se
formando aquela imensa fila de automóveis, mas nenhum buzinava.
Jessé.