sábado, 8 de dezembro de 2012

O MANIFESTANTE



Ele era um revolucionário. Sua cor preferida? Vermelho sangue. Fã do Che Guevara. Aprendeu ser assim na faculdade, mas na verdade dizia a todos que sempre fora assim, desde bebezinho. Envolvia-se em todas as manifestações possíveis, se era pra fechar a rua, era com ele mesmo, adorava ver o transito parado, enquanto em meios aos buzinaços, reivindicava qualquer direito.
Outra virtude de nosso herói era que ele adorava sua mãe, extremamente devotado. Fazia de tudo por ela, se preocupava com cada detalhe, se ela comia, ou dormia bem, até parecia que os papéis, filho e mãe, eram invertidos. Um dia a mãe se adoentou. Ele moveu o mundo por sua recuperação, que não foi completa. Seu coração não era mais de uma menina. E isso lhe tirava o sono. O cardiologista avisou que, no caso de uma nova crise, ele deveria socorrer com urgência, pois poderia ser fatal.
Mas voltando ao ambiente da universidade, certa vez aconteceu um debate muito acalorado, onde eram questionados os direitos: de ir e vir; meu direito acaba quando começa o seu. O professor abordava essas questões, colocando na mesa: se alguém tem o direito de tirar o direito de ir e vir de alguém, a fim de exigir seu próprio direito; como alguém pode fechar uma avenida e impedir que milhares transitem, sendo que essas pessoas cerceadas muitas vezes nem saibam o que está acontecendo, tendo pouco haver com o problema de quem protesta. Então o debate pegou fogo, nosso herói já exaltado gritou:
- Temos que parar tudo mesmo, eu fecho mesmo, é a única forma de chamar atenção.
Um dos colegas que discordava, retrucou:
- Mas as pessoas que são prejudicadas, não têm culpa, manifestações devem ocorrer enfrente aos paços públicos, ou em frete da casa do chefe do poder executivo, o responsável direto é que tem que ver o protesto. Não é por eu estar prejudicado é que devo prejudicar o outro, isso é egoísmo.
Enfim o debate rendeu. Numa coisa todos concordavam que os protestos são justos e necessários, apenas as metodologias são divergentes.
Certa feita nosso revolucionário andava pelas ruas, próximo ao centro de sua cidade, local onde se concentra o principal hospital do município. Logo viu uma manifestação, gente com faixas tentando invadir a via pública. Como de costume, nem quis saber do que se tratava, logo se envolveu. Percebeu que os lideres de tal manifestação eram inexperientes, foi dizendo:
- Aqui não, vamos recuar e fazer a barricada em cima do viaduto, lá é mais fácil, quando o choque chegar, iremos nos preocupar apenas com a frente, e, a retaguarda, não com as laterais. Irá parar até a via sob o viaduto, sabe como é? Né? Os motoristas são muito curiosos, quando veem esse vermelho – apontou para a bandeira comunista – logo param...
Foi imediatamente ouvido. Conforme suas orientações, todo o transito parou. Entre as buzinadas ao longe se ouvia uma sirene, não se sabia se era a policia, que já tentava acabar com a manifestação ou uma ambulância querendo chegar ao hospital que ficava no final do viaduto.
Depois de poucas horas de interdição e do enfrentamento com a polícia de choque e o desespero da sirene que ainda lamentava incansavelmente pedindo passagem - era definitivamente uma ambulância de resgate - a qual só foi possível passar por um corredor feito pela força violenta das autoridades, foi então, saber, exatamente, o que os motoqueiros reivindicavam. Que eram uma manifestação de motociclista era fácil de perceber, mas os motivos não, pelo menos para ele, afinal, de tão embebido que estava pelo protesto, ele nem se deu o trabalho de ler as faixas. Neste final de barricada após perguntar, o líder lhe disse que era para mudar a legislação de transito e liberar o corredor para os motoqueiros, ou seja, aquele espaço que fica entre os carros, ser passagem de direito dos condutores de moto.
Foi nesse momento que nosso herói lembrou-se de outro debate promovido pelo  mesmo professor, onde era discutido, essa questão dos motoboys, e, nosso protagonista, ficou com os que achavam, que as motos deveriam trafegar na mesma faixa de rolamento dos carros, pois no corredor entre os veículos é muito perigo. Prova disto são os inúmeros acidentes fatais que ele mesmo já havia presenciado.
Teve então um sentimento de profunda vergonha, lutou por algo que era contra. Lamentou, por não ter se informado e refletido melhor do que se tratara tal manifestação. Consolava-se dizendo para si mesmo, que era seu espírito justo e destemido de lutar pela causa alheia que fizera cair nessa, no fundo sua intenção era boa e correta.
Saiu calado do meio da balburdia, pensava só chegar em casa e relaxar um pouco nos braços de sua progenitora, para assim, quem sabe, esquecer o ocorrido. Enquanto descia o viaduto e a multidão também se dispersava, o ruído da sirene cessava, indicando que havia chegado ao hospital.
Entrou em casa, ansioso, louco para desabar seu corpo cansado no colo da velha. Achou estranho por que não sentiu o gostoso cheiro da janta, nem o apitar da panela de pressão em cima do fogão, mais estranho ainda, era a movimentação que se fazia na sala, parentes próximos e seu irmão estavam desesperados, e este logo informou:
- A mãe passou mal, chamamos o resgate e o pai foi direto do trabalho para o hospital, ainda não chegou com notícias...
Como bom filho dedicado que era, correu para o hospital, aquele que ficava após o viaduto. Onde foi informado pelo seu pai, que ainda se encontrava lá por motivos burocráticos:
-O doutor falou que não deu tempo...
Lágrimas banharam mutuamente os ombros, durante um longo abraço dolorido.
-Havia uma manifestação... Não deu tempo!
Nosso herói recuou delicadamente de seu pai, as lágrimas estancaram. No consciente falou:
-Tenho que protestar!
Ora, protesto era seu esporte, sua fuga, sua expressão. Em momento, como esse, fazemos aquilo que é mais autentico, aquilo que é mais forte dentro de nós.
Minutos depois estava novamente em cima do viaduto, mesmo lugar onde horas antes havia parado o transito, e, o transito novamente parou. Não na via que passa em cima do viaduto, mas na via de baixo deste viaduto. Nosso revolucionário, o herói protagonista, fazia sua ultima manifestação. A cor em volta dele? Era vermelho. Oriundo de um líquido que fluía de dentro de si. A cor viva chamava atenção e fazia todos os motoristas parar, os que viam, ficavam com seus semblantes estarrecidos. Foi se formando aquela imensa fila de automóveis, mas nenhum buzinava.

Jessé. 

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