quarta-feira, 16 de maio de 2012

A despretensão salvou uma infância


(Esse quadro está na casa do tio Alberto desde que me entendo por gente)

A Despretensão Salvou Uma Infância

Posso dizer que minha infância, não foi tão rica, quanto, às fantasias das literaturas infantis. A rígida tradição religiosa do meu pai dizia: “Estória boa, é estória da Bíblia”. Foram apenas essas que me contaram nas noites de ninar.

Qualquer estória pode ser contada para criança, inclusive as da Bíblia, desde que, se saiba contar, no meu caso, as narrativas eram na grande maioria péssima, trazia pouca lição de moral, nada de entretenimento, muito preconceito quanto a outro tipo de fé e as ideias eram castradoras.

Eu não desfrutei dos belos contos de fadas. Para meu pai toda ficção era mentira, portanto, diabólica. Olhando os grandes educadores com Rubem Alves, vejo como os contadores de histórias são importantes. “A ética no país das fadas” texto de G. K. Chesterton, (um dos capítulos da excelente obra Ortodoxia) mostrou-me o quanto de beleza, a minha infância foi roubada.

Hoje, recebi uma dura noticia e esta me fez relembrar, e, perceber que nem tudo foi tão ruim assim. O irmão mais velho de meu pai faleceu. Um velhinho de jeito marrento, mas no fundo, muito simpático. Morador de um sítio incrustado no mato. Tio Alberto Soares, fazia bem o tipo Urtigão. Sempre muito saudável, trabalhava na roça. Há um ano, eu o vi subindo em árvores. Sua casa de madeira, mais lembra uma cabana, ao mesmo tempo em que é rústica, é confortável e aconchegante.

Esse tio é o primogênito da vovó, meu pai é o caçula, entre eles tem treze irmãos, meu pai tem 69 anos, tio Alberto 89.

É bonito lembrar meu tio como um exímio guardador da natureza. Não esses ecos-chatos que viram ambientalistas para ser politicamente correto. Meu tio, não tava nem ai para isso. Ele amava a natureza, cuidava. Não permitia que ninguém caçasse na região. Plantava árvores. Não gostava de queimadas. Vivia sua vida simples da forma mais sustentável que se possa imaginar.

Dos muitos tios que tenho, tio Alberto foi praticamente o único que tínhamos contatos durante a infância, os demais a religião os afastou. Esse contato só era possível, pois ele era nosso vizinho, suas terras eram próximas das nossas. Então sempre que podíamos corríamos (fugíamos) até a casa do tio Albertinho.

O principal motivo de irmos até ele, era para ouvir suas estórias. Todas mirabolantes. Ele as inventava na hora, tudo de improviso. O protagonista quase sempre era ele. Narrava caçadas espetaculares, contos do arco da velha. Parecia o Pantaleão de Chico Anísio, e, eu me encantava e viajava, mesmo sabendo que não eram reais. Tais estórias eram tão doces de ouvir. Descobri nessa época o lado saudável do “me engana que eu gosto”.

Hoje, eu avalio uma velhice bonita, pela capacidade do idoso em contar uma boa história, principalmente, para crianças.

Dia primeiro de maio. Dia do trabalho. Não poderia ter uma data mais emblemática, para meu tio contar sua última história. Hoje ele nos deixou, talvez sem saber o quanto me fez bem. Ele se vai, e, leva uma das partes mais doce de minha infância, que eu tanto luto para não abandonar.

Alguém já me disse que conto estórias, fico feliz, pois de certa forma, esse velhinho viverá em mim e nos meus filhos, então ele viverá para sempre.
Jessé
Aos 30 ainda gosto das estórias.
Pai (Zequinha),Tio (Alberto), Sobrinho (Jonathan), Irmão (Jonildo)
No churrasco
Se aquecendo