(Esse quadro está na casa do tio Alberto desde que me entendo por gente)
A Despretensão Salvou Uma Infância
Posso dizer que
minha infância, não foi tão rica, quanto, às fantasias das literaturas
infantis. A rígida tradição religiosa do meu pai dizia: “Estória boa, é estória
da Bíblia”. Foram apenas essas que me contaram nas noites de ninar.
Qualquer estória
pode ser contada para criança, inclusive as da Bíblia, desde que, se saiba
contar, no meu caso, as narrativas eram na grande maioria péssima, trazia pouca
lição de moral, nada de entretenimento, muito preconceito quanto a outro tipo
de fé e as ideias eram castradoras.
Eu não desfrutei dos
belos contos de fadas. Para meu pai toda ficção era mentira, portanto,
diabólica. Olhando os grandes educadores com Rubem Alves, vejo como os
contadores de histórias são importantes. “A ética no país das fadas” texto de
G. K. Chesterton, (um dos capítulos da excelente obra Ortodoxia) mostrou-me o quanto
de beleza, a minha infância foi roubada.
Hoje, recebi uma dura
noticia e esta me fez relembrar, e, perceber que nem tudo foi tão ruim assim. O
irmão mais velho de meu pai faleceu. Um velhinho de jeito marrento, mas no
fundo, muito simpático. Morador de um sítio incrustado no mato. Tio Alberto
Soares, fazia bem o tipo Urtigão. Sempre muito saudável, trabalhava na roça. Há
um ano, eu o vi subindo em árvores. Sua casa de madeira, mais lembra uma cabana,
ao mesmo tempo em que é rústica, é confortável e aconchegante.
Esse tio é o primogênito
da vovó, meu pai é o caçula, entre eles tem treze irmãos, meu pai tem 69
anos, tio Alberto 89.
É bonito lembrar meu
tio como um exímio guardador da natureza. Não esses ecos-chatos que viram ambientalistas
para ser politicamente correto. Meu tio, não tava nem ai para isso. Ele amava a
natureza, cuidava. Não permitia que ninguém caçasse na região. Plantava árvores. Não gostava de queimadas. Vivia sua vida simples da forma mais sustentável
que se possa imaginar.
Dos muitos tios que
tenho, tio Alberto foi praticamente o único que tínhamos contatos durante a infância,
os demais a religião os afastou. Esse contato só era possível, pois ele era
nosso vizinho, suas terras eram próximas das nossas. Então sempre que podíamos
corríamos (fugíamos) até a casa do tio Albertinho.
O principal motivo
de irmos até ele, era para ouvir suas estórias. Todas mirabolantes. Ele as
inventava na hora, tudo de improviso. O protagonista quase sempre era ele. Narrava
caçadas espetaculares, contos do arco da velha. Parecia o Pantaleão de Chico
Anísio, e, eu me encantava e viajava, mesmo sabendo que não eram reais. Tais estórias
eram tão doces de ouvir. Descobri nessa época o lado saudável do “me engana que
eu gosto”.
Hoje, eu avalio uma
velhice bonita, pela capacidade do idoso em contar uma boa história,
principalmente, para crianças.
Dia primeiro de
maio. Dia do trabalho. Não poderia ter uma data mais emblemática, para meu tio
contar sua última história. Hoje ele nos deixou, talvez sem saber o quanto me
fez bem. Ele se vai, e, leva uma das partes mais doce de minha infância, que eu
tanto luto para não abandonar.